sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Pedro e o São Pedro

Um primo meu postou um texto de outro primo meu em seu blog (http://blogcomlimao.blogspot.com/), e o peguei emprestado para compartilhar com vocês.

(Texto: Adriano Vieira)

Todo dia era a mesma rotina: Dátia acordava da sesta, fazia um café – em geral bem forte e com pouco açúcar – e saía arrastando as sandálias no corredor de basalto, que ladeava a casa até o portão (com a xícara de café na mão, bebericando em golinhos). Era o ritual de espera pelo Pedro, conterrâneo do Morro Azul, que morava há anos em Canoas. O motivo da espera: o jogo de cartas que recheava as tardes de todos os dias.

Pouco depois chegava o Pedro, de passos curtos, mas espaçados (pela separação das pernas, causada pela barriga protuberante), com os braços abanando ao lado do corpo, um palito de dentes incrustado no enorme bigode que lhe cobria a boca. Os cumprimentos eram em meio a resmungos e considerações acerca do tempo:
- B’a Tarde! Parece que vai chover, dizia Pedro
- Tarde! Ta com jeito, respondia o Dátia enquanto abria o portão, onde antes escorava os cotovelos, balançando a xícara de café, pendurada pelo indicador.

A mesa de fórmica branca, com bordas vermelhas, já estava organizada: o baralho já fora da caixinha de madeira (dividida em duas partes por uma barrinha também de madeira) e um bloco de folhas de papel com muitas páginas já escritas com os resultados do pontinho. Depois de alguns pigarros e tosses, Dátia olhava o bloquinho de papel e lembrava o placar do dia anterior, em tom de provocação.

Aida, que levantara nesse momento de seu sono vespertino, cruzava a porta que dividia a sala de jantar da cozinha – onde era a jogatina – arrastando os chinelos de inverno, com uma calça lilás, blusa de lã cor-de-laranja e um casaco verde, também de lã, com as mangas puxadas até os cotovelos. Cumprimentava Pedro e ia logo pegando uma laranja na fruteira, que descascava com maestria, usando uma faca de cozinha. Era a esposa, companheira incondicional de Dátia, com quem brigava quase todos os dias. Ligava a televisão, puxava uma cadeira e ficava sentada de lado, com um olho na televisão e o outro nas cartas do Dátia. Vez por outra olhava com mais intensidade para as cartas do marido e dizia, com expressão de muito espanto:
- Nossa! Quanto paus, Dátia!

O marido resmungava uma coisa que ninguém entendia, fazia um gesto com a mão, abanando, como se tivesse espantando um mosquito, olhava o companheiro de jogo e dava uma risadinha. Vez por outra, Aida levantava da cadeira, dirigia-se até um armário, abria o açucareiro e colocava uma porção de açúcar na boca, usando a própria colher do açucareiro, depois sentava e seguia suas observações até a hora em que o relógio de parede badalava quatro vezes, quando ela ia preparar o café e expulsar os jogadores de sua mesa, onde preparava o banquete da tarde.

Certo dia, Dátia ficou mais do que o costume com a xícara balançando no indicador, e cotovelos apoiados no portão. Aida veio ao seu encontro e perguntou:
- Pedro costa não vem hoje?
Dátia resmungou algo do tipo “ah, sei lá”.
No dia seguinte Dátia recebera a notícia: seu amigo não viria mais, “foi jogar com São Pedro”, lembrava Dátia.

2 comentários:

Unknown disse...

Bem interessante. Gostei!

Red Rach disse...

Muito bom o texto! Adorei!
Diz pro teu primo que eu mandei um parabéns.

bjs